
Ciência Lá e Cá: Santiago Soares conta sua experiência transformadora no Canadá
Doutorando do PPGBRPH compartilha os desafios e aprendizados de seu doutorado sanduíche na Universidade de Calgary
Texto: Ana Júlia Mendes
Estudar no exterior é uma meta para muitos acadêmicos, e para Santiago Soares, doutorando do Programa de Pós-graduação em Biologia da Relação Parasito-Hospedeiro (PPGBRPH), da Universidade Federal de Goiás (IPTSP/UFG), essa aspiração se tornou realidade. Sob orientação do professor e doutor em Bioquímica e Imunologia, Milton Adriano Pelli de Oliveira do IPTSP, Santiago realizou parte de seu doutorado na Universidade de Calgary, no Canadá. Essa oportunidade se deu por meio do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Santiago sempre buscou uma experiência internacional desde a graduação, motivado pelas palavras de seus professores: "Santiago, a máquina do tempo existe. Ela se chama aeroporto". Em 2023, essa oportunidade se concretizou por uma coincidência que ele descreve como quase divina, ele foi o único candidato inscrito na segunda chamada do edital, o que facilitou sua aprovação, sem concorrência. A bolsa concedida pela CAPES foi, segundo ele, extremamente completa, cobrindo moradia, deslocamento, seguro-saúde e despesas iniciais. Esse apoio foi fundamental, considerando o alto custo de vida em Calgary.
A pesquisa de doutorado de Santiago Soares foca na caracterização de macrófagos alternativamente ativados e na avaliação de sua suscetibilidade à infecção por Leishmania braziliensis e Leishmania major. Durante o período de doutorado sanduíche na Universidade de Calgary, o estudante pôde aprofundar o estudo em um ambiente de alta tecnologia, com acesso a equipamentos e metodologias de ponta.
No laboratório, Santiago foi orientado pelo imunologista Nathan C. Peters, responsável pela supervisão teórica e pelas questões administrativas da pesquisa. Já a condução dos experimentos e a orientação prática ficaram sob responsabilidade do pesquisador associado Matheus Batista Carneiro, que também é brasileiro e acompanhou de perto o trabalho de bancada e as análises de dados.
Desafios e adaptação
A adaptação ao Canadá exigiu resiliência e jogo de cintura por parte de Santiago Soares, especialmente diante do frio intenso de Calgary, onde as temperaturas baixas podem variar entre -20°C e -40°C. Logo nos primeiros dias, ele percebeu que as roupas de inverno compradas no Brasil não eram suficientes para enfrentar o rigor climático canadense. Em um dos episódios mais marcantes, ficou exposto ao relento por 40 minutos após uma falha no transporte público, quase sofrendo congelamento em um dos pés. A partir daí, aprendeu a se proteger com o chamado “esquema da cebola”, vestindo-se em camadas para lidar com as mudanças bruscas de temperatura.
Outro desafio veio do sistema de saúde canadense. Apesar de ser público, o acesso não é imediato para estrangeiros que ainda não possuem o health card, documento necessário para utilizar os serviços gratuitamente. Santiago levou um susto ao descobrir que a vacina contra a gripe custaria 250 dólares, valor impensável em comparação ao atendimento gratuito oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. A solução veio com a solidariedade de um colega tailandês, que o orientou sobre como obter o documento e acessar os cuidados médicos sem custos.
Do ponto de vista financeiro, a bolsa oferecida pela CAPES cobria o essencial, mas não permitia grandes confortos. Santiago recebia 1.920 dólares canadenses por mês, dos quais 715 eram destinados ao aluguel. O restante precisava ser cuidadosamente administrado para cobrir alimentação, transporte, saúde e demais despesas básicas. Mesmo estudando em uma universidade pública, ele ainda precisava arcar com uma mensalidade de 200 a 250 dólares mensais, valor cobrado de estudantes internacionais mesmo quando não estão matriculados em disciplinas.
A burocracia acadêmica também foi um dos primeiros grandes empecilhos. Apesar de sua experiência prévia no Brasil, Santiago não pôde iniciar os experimentos imediatamente. Durante os dois primeiros meses, teve que concluir cerca de 15 treinamentos obrigatórios exigidos pela Universidade de Calgary, que incluíam protocolos de segurança predial, manejo de animais, biossegurança laboratorial e operação de equipamentos específicos. Só após completar todas as certificações foi autorizado a acessar o laboratório e dar início às atividades práticas da pesquisa.
Experiência científica
No Laboratório de Citocinas da Universidade de Calgary, Santiago atuou sob a coordenação do Dr. Nathan Peters e com supervisão direta do pós-doutorando brasileiro Dr. Matheus Batista Carneiro. Ele destaca a forte cultura colaborativa da pesquisa científica no Canadá, onde os laboratórios trabalham em rede, trocando conhecimentos e recursos. Durante sua estadia, participou de quatro projetos principais, entre eles o estudo da disseminação da Leishmania nos primeiros dias de infecção e a investigação da transmissão natural do parasita por flebotomíneos, realizada em um insetário de alta segurança e tecnologia.
A principal metodologia empregada no laboratório foi a citometria espectral de fluxo, uma técnica avançada que permite analisar dezenas de marcadores celulares simultaneamente. Enquanto no Brasil os equipamentos disponíveis limitam a análise a, no máximo, quatro marcadores, no Canadá Santiago conseguiu avaliar até 64 proteínas diferentes na membrana dos macrófagos. Essa capacidade analítica ampliada resultou, segundo ele, em uma “riqueza de informação e detalhamento que seria impossível alcançar com os recursos disponíveis no Brasil”.

(Foto: Arquivo Pessoal)
A infraestrutura disponível e o acesso facilitado a insumos foram aspectos que marcaram a experiência de Santiago no Canadá. Enquanto no Brasil a entrega de reagentes pode levar meses, em Calgary os pedidos eram atendidos em questão de horas, frequentemente no mesmo dia ou, no máximo, no seguinte. Equipamentos de alta performance, que levariam anos para chegar aos laboratórios brasileiros, já faziam parte da rotina no centro canadense.
Esse ambiente altamente tecnológico teve impacto direto na qualidade da pesquisa. Santiago conseguiu realizar a fenotipagem dos macrófagos com uma máquina de última geração, capaz de oferecer dados com altíssimo nível de precisão, permitindo inclusive a identificação de subpopulações celulares específicas. A relevância dos resultados obtidos foi tamanha que o Dr. Nathan Peters, seu supervisor no Canadá, enfatizou a possibilidade de Santiago retornar ao laboratório futuramente, caso precise realizar mais experimentos robustos. Considerando o alto custo dos insumos e a escassez de equipamentos no Brasil, desenvolver a pesquisa em Calgary, onde há superioridade de estrutura, torna-se financeiramente mais vantajoso. Além disso, ele já possui todas as certificações necessárias.
Impactos profissionais e pessoais
Para Santiago, o doutorado sanduíche foi uma experiência transformadora. Ele destaca três pontos positivos principais:
- Networking e Oportunidades: A interação com cientistas internacionais e brasileiros atuando no exterior abriu portas para o mercado nacional e internacional, gerando ofertas de pós-doutorado e indicações. Santiago enfatiza que o networking é decisivo em processos de contratação.
- Experiência Técnica de Alto Nível: O domínio de técnicas e equipamentos de ponta, como a citometria espectral de fluxo, é uma habilidade valiosa e rara no Brasil, o que o tornou um profissional diferenciado.
- Autonomia financeira e recursos: Apesar das dificuldades, Santiago conseguiu gerenciar a bolsa da CAPES de forma inteligente. Suas estratégias incluíram passagens aéreas econômicas, alimentação simples e a doação remunerada de plasma, uma prática comum no Canadá. Ele também ressalta que, diferente do Brasil, os laboratórios canadenses cobrem integralmente os custos para participação em eventos científicos. Essa oportunidade permitiu sua participação no Congresso de Protozoologia, em Banff, nas Montanhas Rochosas, o que ele descreve como um "rolê remunerado".

Santiago e colegas de laboratório ensinam crianças e famílias sobre parasitas em peixes no Fishtival, evento anual realizado na Bow Habitat Station, em Calgary. (Foto: Arquivo Pessoal)
Atualmente, Santiago está na reta final de seu doutorado, concentrado na redação da tese e na preparação dos artigos científicos que resultarão da pesquisa. Com defesa prevista para fevereiro de 2026, ele pretende publicar dois estudos principais: um voltado à caracterização dos macrófagos alternativamente ativados e outro focado na susceptibilidade dessas células à infecção por Leishmania braziliensis e Leishmania major. Ambos os trabalhos refletem os avanços obtidos a partir da experiência internacional e o aprofundamento técnico proporcionado pelo período no Canadá.
*Ana Júlia Mendes é estagiária do projeto IPTSP Comunica e é supervisionada pela jornalista Marina Sousa.
Source: Comissão de Comunicação do IPTSP
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