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1º Simpósio de Doença de Chagas do Estado de Goiás reúne em Goiânia especialistas para debater estratégias e soluções de combate à doença

Em 17/04/25 11:37. Atualizada em 17/04/25 11:45.

Durante dois dias especialistas levaram aos profissionais, estudantes e sociedade informações seguras sobre a doença, formas de identificação, tratamento e cuidados preventivos

Texto e fotos: Karine Rodrigues

Nos dias 15 e 16 de abril, o Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP/ UFG) sediou a 1º Simpósio de Doença de Chagas do Estado de Goiás. O evento foi um sucesso e a segunda edição já está confirmada para 2026. Estiveram presentes especialistas de Goiás e de outros Estados, que debateram sobre as estratégias de combate, apresentaram projetos e principalmente mostraram como está a situação do País em relação a esta doença, a qual muitos acreditavam que já era extinta, mas isso ainda não ocorreu.

A representante do Grupo Técnico da Doença de Chagas do Ministério da Saúde, Swamy Lima Palmeira, abriu os painéis relatando a história da professora Nilva Belo de Morais, que é portadora da doença de Chagas, membro da Associação Goiana dos Portadores da Doença de Chagas e ativista na luta por visibilidade da doença e doentes de Chagas. Nilva não pode estar presente, mas esteve onipresente no evento onde sua luta foi reverenciada. Swamy, por sua vez, ressaltou a importância dos conselhos de saúde, do controle social da doença e da oportunidade de escuta. “Hoje muitas pessoas sofrem até chegar ao diagnóstico. Seja por falta de conhecimento dos sintomas e até por desconhecimento do médico, mas também é preciso ouvir para cuidar melhor e para não negligenciar a doença”, destacou ela.  

Mayara Maia Lima que é membro do Grupo Técnico de doença de Chagas da Coordenação-Geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde
Representante do Grupo Técnico da Doença de Chagas do Ministério da Saúde, Swamy Lima Palmeira

 

Palmeira chamou a atenção para a necessidade que a doença de Chagas, assim como outras doenças negligenciadas precisam ser mais expostas, mas não de qualquer forma. “Não adianta a gente chegar aqui e falar muitas coisas técnicas que as pessoas não consigam compreender. Então é necessário utilizar e disseminar as informações numa fala para que todos possam compreender. E ainda pelo fato da doença de Chagas ser silenciosa, as pessoas que não têm condições ou costume de ir ao médico com frequência, muitas vezes descobrem a doença em uma fase mais grave”, disse ela.

A ativista ressaltou que é preciso fortalecer a sociedade civil na inserção dos processos de saúde para vários tipos de doenças, com destaque para as que são negligenciadas. “O inseto transmissor da doença de Chagas por exemplo tem vários nomes, como o popular barbeiro, o potó, chupão, é importante que a pessoas saibam que são triatomíneos, sim, mas especialmente que elas reconheçam e os eliminem se estiverem próximos a elas” enfatiza.

Mayara Maia Lima que é membro do Grupo Técnico de doença de Chagas da Coordenação-Geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, apresentou um panorama da doença de Chagas no Brasil e no mundo. Em sua apresentação ela disse que a Espanha por exemplo, tem investido muito em doenças negligenciadas e então isso foi ganhando uma relevância na região das Américas. Ela esclareceu que o barbeiro é um inseto muito adaptável e que sobrevive não apenas em países de clima tropical como o Brasil. De costumes parecidos com o escorpião, onde há entulho, sujeira, buracos em construções, alvenarias, telhados mal conservados são ambientes propícios para que haja triatomíneos.  

representante do Grupo Técnico da Doença de Chagas do Ministério da Saúde, Swamy Lima Palmeira
Representante do Grupo Técnico da Doença de Chagas do Ministério da Saúde, Swamy Lima Palmeira

 

 Lima explicou que no Brasil ocorreu um processo de transição epidemiológica da doença, quando houve uma mudança desse perfil epidemiológico. Segundo ela, na década de 1970, uma área endêmica de dois Estados cobria cerca de 2 mil e poucos municípios e a partir de 1975 passaram a ser feitas as ações de controle de forma mais sistemática usando inseticidas muito focados, junto com o programa de dedetização, intensificação da vigilância dos reservatórios, processos de melhorias educacionais, o programa de reforma e de construção das casas para evitar a contaminação pelos barbeiros. “Então essas ações em conjunto, elas conseguiram reduzir esse número de casos agudos em aproximadamente 70%”, relatou.

Tais ações resultaram em uma redução significativa de casos agudos, que seria a fase inicial da doença, quando a pessoa contrai a doença de Chagas por vetores, ou seja, através dos insetos. Mas há transmissão de outras formas como de mãe para filho no parto, através do aleitamento materno, transfusão de sangue e da ingestão de alimentos contaminados. E quando a doença não é tratada ela evolui espontaneamente para a fase crônica da doença de Chagas, o que pode levar à morte.

Hoje no Brasil, os Estados que têm maior incidência de casos são os da Região Norte do País, seguidos por Paraíba, Alagoas e Ceará no Nordeste e no Paraná. “No cenário brasileiro de diversos biomas, 75% das 75 espécies de triatomíneos estão espalhados de formas distintas em todas as regiões brasileiras, em todos os municípios brasileiros”, explicou ela. A principal espécie desses parasitas que atacam no Brasil é antropophilia, que se alimenta de sangue humano, mas atualmente a maior taxa de transmissão é feita via oral pela ingestão de alimentos contaminados, principalmente na região amazônica onde a má higienização e não pasteurização principalmente do açaí, faz com que o barbeiro seja moído junto com o fruto e as pessoas bebem aquele caldo sem nenhum processamento que elimine o barbeiro. “O resultado disso é que 55% dos casos foram analisados que vão a óbito”, disse.

Quanto ao perfil, Lima expôs que no período de 2010 a 2023, 50% dos casos de infectados têm sexo masculino, 84% da população negra. “Chama a nossa atenção porque, relação de determinantes sociais, como racismo interfere em relação à saúde das pessoas, em relação ao risco e à vulnerabilidade das pessoas de contrair vários tipos de doenças como a de Chagas”, enfatizou ela. , 59% dos infectado possui entre 20 e 59 anos, ou seja, que estão em pleno período de atividade trabalhista, o que justifica uma queda na contaminação durante a pandemia de 2020, pois foi um momento de menor exposição ao parasita. Outro grande problema apontado é a subnotificação causada por falhas na vigilância epidemiológica nos municípios e Estados brasileiros, onde os profissionais de saúde não conhecem ou ignoram os sintomas da doença de Chagas. “Trata-se de uma doença que muitos pensam que ela não existe mais, mas de fato a gente vê que existe e ainda é um problema relevante de saúde pública. Pois apenas em 2024 foram registrados 7.780 novos casos, este número não é baixo”, informou Lima.

Goiás

Em Goiás, a doutora em Biomedicina, Liliane Rocha Siriano da Secretaria de Estado da Saúde diz que Goiás (SES-GO) é um Estado referência na pesquisa e tratamento da doença de Chagas. Ela relatou que o trabalho de identificação de casos ocorre dessa forma: o Estado de Goiás tem 246 municípios que estão organizados em 18 regionais de saúde, que por sua vez são divididos em cinco macrorregiões, que desde 2003 fazem notificação compulsória local dos casos crônicos. Em 2020, o Ministério Público da União, após análise, estendeu a notificação dos casos crônicos para todo o território nacional, porque antes, antes eram só os adultos. Método que Goiás já aplicava há muitos anos antes.

, Liliane Rocha Siriano da Secretaria de Estado da Saúde diz que Goiás
Doutora em Biomedicina, Liliane Rocha Siriano da Secretaria de Estado da Saúde diz que Goiás (SES-GO)


Os municípios com maior número de casos notificados são Goiânia, Aurilândia, Porangatu, Piranhas, São João da Paraúna, São Luiz do Norte e Santo Fernando. Todos esses municípios, exceto Goiânia, pertencem à regional Oeste, Goiás, onde estão sendo desenvolvidos dois grandes projetos de eliminação, o que resultou em uma diminuição significativa de casos, pois a média dos últimos cinco anos, são de 625 óbitos. Mas essa média já foi 725.

Um desses projetos é a Universidade das Chagas, em que Goiás foi um dos escolhidos para fazer parte. O Universidade das Chagas, está sendo desenvolvido em quatro países: Paraguai, Bolívia, Colômbia e Brasil.

Transmissão vertical

Os desafios deste tipo de transmissão foram explanados por Aline Beraldo que também faz parte do GT Chagas do Ministério da Saúde. Ela explicou que a maior dificuldade é a falta de informação por parte da população que é regularmente exposta ao barbeiro e não sabe, porque não reconhece o inseto. Pelo fato de a doença ser pouco falada tanto por órgãos e entidades de saúde, não existe a preocupação massiva de combater os viveiros de insetos. E por desconhecer os sintomas, muitos passam anos acometidos pela doença de Chagas sem nunca imaginar que estão infectados.

Outras medidas que devem ser adotadas pela população para evitar a contaminação são ter boas práticas de higiene, lavar muito bem os alimentos antes de consumir, principalmente os crus, ter cuidados no armazenamento e processamento desses alimentos. Não ter banheiro próximo à casa, quando este fica do lado de fora, não acumular entulho, buscar informação e fazer o teste rápido nas unidades públicas de saúde quando suspeitar de algum sintoma.

Os cuidados devem ser dobrados em pessoas grávidas. Em Goiás, a Apae possui um programa de proteção à gestante, que disponibiliza nos 246 municípios do Estado o teste da mamãe, onde se faz a triagem de saúde com vários tipos de exames em grávidas. Segundo José Vicente Macedo Filho, do Instituto de Diagnóstico e Prevenção da Apae Goiânia, em 21 anos já foram feitos testes em mais de 1,5 milhão de mulheres e a doença de Chagas é a terceira patologia mais encontrada em gestantes. Com o diagnóstico positivo a mulher é encaminhada para o tratamento dela a fim de que o bebê nasça sem a doença ou que não venha a contraí-la no parto ou na amamentação.    

Cuidados no tratamento

Com mais de 30 anos cuidando de quem tem a doença de Chagas, o médico Cicílio Alves de Morais do Hospital das Clínicas de Goiás diz que os pacientes precisam ser abraçados. “Mais do que indicação de remédio, essas pessoas precisam de ser entusiasmados a viver e a fazer um tratamento. Pois o tratamento provoca muitos danos, como alergias”, diz o médico.

médico Cicílio Alves de Morais do Hospital das Clínicas de Goiás
Médico Cicílio Alves de Morais do Hospital das Clínicas de Goiás

 

Ele ressalta que por ser uma doença muito silenciosa muitas pessoas não dão a atenção que precisam e até se recusam a tomar os remédios para não sofrer os efeitos colaterais. Porém ele acrescenta que não é necessário fazer terrorismo médico e dizer que a pessoa vai morrer, que tem uma bomba no corpo. “Todos nós vamos morrer um dia, mas com certeza com qualidade de vida. Fazer essa escolha é fundamental”, ressaltou.

Acervo

O maior acervo de triatomíneos de Goiás está sob os cuidados da laboratorista Carmeci Elias, do Laboratório Estadual de Saúde Pública Dr. Giovanni Cysneiros (Lacen-GO), ela possui vários exemplares, em fases da vida e de várias espécies de barbeiros. Carmeci trabalha há mais de 30 anos com doenças transmissíveis e destacou a necessidade de se ter laboratórios de referência para fazer os testes e identificar o inseto.  Ela também destacou a importância de passar esses conhecimentos para os profissionais da saúde que estão em formação. Muitos vão para a residência e de lá saem para os consultórios sem nunca terem visto um barbeiro. Hoje a doença não é tão comum como foi no passado, mas é difícil não ter um familiar que não tenha tido a doença de Chagas. “Acredito que campanhas educativas deveriam ser obrigatórias nos municípios e que a disciplina de entomologia – estudo dos insetos -, deveria fazer parte da grade curricular dos profissionais de saúde”, alertou ela.

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Acervo de barbeiros do Lacen

 

Um dos maiores especialistas em doença de Chagas no mundo, o médico peruano, radicado em Goiás e professor da UFG, Alejandro Luquetti, diz que há registro de triatomínios de 10 mil anos atrás. Ou seja, não é uma doença nova. Porém, o médico destaca que a doença de Chagas nunca ficou em evidência o suficiente para que se concentre nas pesquisas mais avançadas no mundo. As pessoas precisam saber que o barbeiro suga o sangue de humanos, mas só transmite a doença de Chagas se ele estiver contaminado e se as fezes que ele depositar na pele depois de picar forem esfregadas e entrarem em contato com sangue ou ferimentos. “As pessoas precisam saber que é possível controlar e até curar a doença de Chagas”, destacou o médico.

Um dos maiores especialistas em doença de Chagas no mundo, o médico peruano, radicado em Goiás e professor da UFG, Alejandro Luquetti
Um dos maiores especialistas em doença de Chagas no mundo, o médico  professor aposentado da UFG, Alejandro Luquetti

 

Portadora da doença de Chagas, Maria Andrade dos Santos, disse que sofreu muito até chegar no diagnóstico, e quando o fez, o médico disse que ela tinha uma bomba no corpo. Emocionada, ela contou que até encontrar um profissional que lhe rendesse um tratamento humanizado e empático teve muito sofrimento. Hoje ela tem o tratamento adequado e disse que consegue ter qualidade de vida.

Urbanização e adaptação do inseto

 Desde o início do Simpósio, muito se foi falado do quanto as mudanças climáticas e a devastação do habitat natural do barbeiro fizeram com que o inseto evoluísse e se adaptasse à cidade e a condições extremas de sobrevivência. O gerente de controle de animais sinantrópicos da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS -GO), Daniel Graziani explicou que antes de invadirem nossas casas, o ser humano invadiu o ambiente onde viviam os insetos de forma equilibrada, o processo de urbanização provocou um incontável número de doenças para quem vive na cidade. “O que acontece é um processo de evolução em busca da sobrevivência, isso explica o fato do aedes aegypt que antes transmitia a dengue agora transmite várias doenças, com o barbeiro aconteceu o mesmo, se adaptou à cidade para continuar existindo no mundo”, explicou. E o combate a esses insetos exige cada vez mais inseticidas mais potentes.

O subcoordenador da unidade Central de Baixo Volume da Funasa, Laércio Inácio da Costa, diz que apesar da evolução dos insetos, os humanos também têm conseguido melhorar cada vez mais o combate químico, ou seja, os inseticidas estão mais potentes e menos danosos à saúde humana. Porém ele ressaltou que não basta só ter todo o cuidado e manejo na hora de aplicar o inseticida, esse manejo só pode ser feito por um profissional treinado, que realize todos os processos de segurança. Mas cabe a cada um cuidar do seu espaço limpando, organizando e o mantendo equilibrado a fim de evitar a infestação e a necessidade de aplicar inseticidas.  

 

o médico Cicílio Alves de Morais do Hospital das Clínicas de Goiás
Subcoordenador da unidade Central de Baixo Volume da Funasa, Laércio Inácio da Costa

A atividade contou com o apoio do do Projeto à Universidade no enfrentamento da doença de Chagas (UniChagas) que é uma iniciativa inovadora voltada para a disseminação de informação e combate à doença de Chagas, um dos mais graves problemas de saúde pública na América Latina. O projeto que é coordenado pelo pesquisador, José Rodrigues do Carmo. A realização do 1º Simpósio de Doença de Chagas em Goiás coordenado pela professora Ana Maria de Castro, em parceria com o Ministério da Saúde (MS) e a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO). A organização do simpósio contau também com a participação dos vice-coordenadores do projeto, o pesquisador José Rodrigues do Carmo Neto e a biomédica Liliane da Rocha Siriano, da SES-GO. 

1º Simpósio de Doença de Chagas em Goiás

Fonte: Comissão de Comunicação IPTSP

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