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Tecnologia em saúde: pesquisa utiliza a bioinformática para entender a interação da Dengue com o sistema imune

Em 13/03/24 15:31. Atualizada em 23/03/24 14:13.

Após o Dia D de combate à doença que preocupa o Ministério da Saúde, IPTSP divulga estudo do PPGMTSP

Texto: Letícia Lourencetti

Arte: Mailson Diaz e Letícia Lourencetti

 

A Dengue é uma doença infecciosa viral, comum em áreas urbanas de clima tropical e, por ser transmitida por artrópode (o vetor Aedes aegypti), é classificada como arbovirose. Com cinco sorotipos catalogados, alto índice de mutação e variabilidade genética, o contágio pelo vírus da Dengue (DENV) pode tanto ser assintomático quanto apresentar complicações e evoluir ao óbito. A fim de investigar o processo imunológico de combate à enfermidade, Amanda Beatriz Adriano da Silva, biomédica formada pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical e Saúde Pública (PPGMTSP) do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da UFG (IPTSP/UFG), utiliza ferramentas de bioinformática para entender a relação entre receptores imunes da família TREM e os diferentes sorotipos do DENV.

Sob orientação do professor Helioswilton Sales, coorientação da professora Marcelle Sales, a pesquisa é realizada no Laboratório de Imunologia de Mucosas e Imunoinformática (LIMIM/IPTSP) e conta com a parceria da professora Fabíola Souza Fiaccadori (LabVICC/IPTSP). O estudo está na fase de testagens in silico que, graças aos dados previamente caracterizados em programas computacionais, permitem a simulação da interação entre estruturas dos receptores e do vírus.

 

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Amanda Beatriz Adriano da Silva é mestranda em Imunologia no Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical e Saúde Pública do IPTSP (Foto: Arquivo pessoal/Amanda Beatriz)

 

A família TREM

O sistema imune conta com diferentes mecanismos de resposta a antígenos associados ou não à infecção. Entre eles há os Triggering Receptors Expressed on Myeloid Cells (Receptores Desencadeantes Expressos em Células Mielóides), também conhecidos pela sigla TREM. Em células imunológicas, sua expressão é observada em monócitos, macrófagos, neutrófilos e micróglias. Entretanto, os receptores também foram identificados em células endoteliais, hepáticas e gástricas.

O receptor possui duas isoformas melhor caracterizadas na literatura: o TREM-1, que promove a amplificação do processo inflamatório, e o TREM-2, que o inibe. “Todavia, pesquisas têm elucidado que esses mecanismos [de ação dos receptores] podem ser diferentes dependendo de doenças e agentes infecciosos envolvidos”, acrescenta a pesquisadora Amanda Beatriz.

 

Mecanismos de evasão do vírus

O vírus é definido como um parasita intracelular obrigatório, que necessita da apropriação de uma célula viva para se replicar e realizar seus processos metabólicos, dando continuidade ao ciclo da infecção. Para tanto, o agente infeccioso deve resistir à resposta imune enviada pelo organismo de seu hospedeiro. Essa ação se dá graças aos seus mecanismos de evasão.

No que se refere ao vírus da Dengue, os mecanismos de evasão são diversos. Um exemplo é a produção de proteínas não estruturais (NS), que são substâncias associadas à replicação viral e bloqueio de processos de reconhecimento imunológico do hospedeiro. Segundo Amanda, a quantidade de sorotipos existente traz uma maior complexidade nas pesquisas direcionadas ao seu combate. O DENV possui quatro tipos presentes em todo o mundo: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. O quinto tipo (DENV-5) foi identificado em 2013, mas, até o momento, a infecção por ele foi relatada apenas na Malásia.

O Aprimoramento Dependente de Anticorpo (ADE) se refere à intensificação da síndrome infecciosa causada pelo novo contato com o parasito. Com a existência de tantos sorotipos, o contágio por Dengue está sujeito a esse fenômeno. “A ADE é um dos maiores desafios, uma vez que, em casos de reinfecção heteróloga (ou seja, causada por diferentes sorotipos), foi observado que os anticorpos neutralizantes produzidos pela primeira infecção não são capazes de neutralizar o vírus, e ainda, facilitam a entrada do vírus nas células do hospedeiro causando uma maior viremia”, aponta a pesquisadora. Marcelle Sales, professora e pesquisadora na área de virologia, complementa que a ADE facilita a entrada e multiplicação do vírus nas células, gerando a produção de mais vírus e, consequentemente, aumentando as chances de ocorrência de sintomas mais graves. “O reconhecimento do vírus por estes anticorpos prévios não neutralizantes ocasiona em uma grande liberação de citocinas por outras células do sistema imune, fenômeno denominado Tempestade de Citocinas, um dos responsáveis pelo aumento da permeabilidade vascular, contribuindo para a progressão para a forma mais grave da Dengue”, explica a virologista.

 

TREM-1 x DENV

O TREM-1 é um receptor associado a amplificação da inflamação, processo que é fundamental para a sinalização e ativação dos agentes do sistema imune contra a infecção. “A inflamação é uma forma importante de resposta contra agentes prejudiciais ao corpo. No entanto, quando ela é exagerada, o hospedeiro acaba sofrendo os efeitos colaterais dessa ativação exacerbada", completa Helioswilton Sales, docente orientador da pesquisa e responsável pelo Laboratório de Imunologia de Mucosas e Imunoinformática. “Como ele é um amplificador da inflamação, se você consegue diminuir sua atividade, você diminui o desencadeamento do processo inflamatório e, consequentemente, espera-se que os indivíduos infectados por esses arbovírus possam ter uma evolução clínica melhor ou melhorada”.

Entre as manifestações clínicas da ativação exacerbada relacionada ao TREM-1, Amanda cita o aumento da permeabilidade vascular (perda de líquidos dos vasos sanguíneos para tecidos circundantes), que também pode causar a Febre Hemorrágica e levar à Síndrome do Choque da Dengue (SCD). “Compreender o padrão de interação entre proteínas virais de interesse com TREM-1, poderá servir como base para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas que sejam mais efetivas e objetivas, o que poderá auxiliar no controle da evolução clínica da doença e, consequentemente, reduzir os impactos causados por essa infecção para a saúde pública” explica a pesquisadora.

 

Tecnologia aliada à saúde

O desenvolvimento da pesquisa se dá com o uso de ferramentas de Imunoinformática, área da pesquisa que integra conhecimentos de imunologia e de informática aplicada, a fim de analisar dados genômicos, proteômicos e imunológicos. A fase de pesquisa in silico se trata do uso dessas ferramentas de bioinformática para analisar, mediante execução em programas computacionais, as possíveis interações entre o vírus e as células alvo do hospedeiro infectado. Ela precede a fase in vitro, que visa validar (por meio da experimentação em células, tecidos ou órgãos isolados) os resultados alcançados na simulação computacional.

 

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A primeira etapa de desenvolvimento da pesquisa é realizada digitalmente e, só então, passa para a fase de experimentação física (Foto: Arquivo pessoal/Amanda Beatriz)

 

Essa etapa da pesquisa será realizada juntamente com a equipe de pesquisadores do Laboratório de Imunologia de Mucosas e Imunoinformática.

“A pesquisa é um processo que pode levar anos para ser concluído. Mas o que esses pesquisadores estão fazendo hoje vai ajudar a pavimentar essa tomada de decisão para as próximas fases. Serve como aquela fagulhinha de esperança para que, quem sabe, esses casos de infecção por arbovírus evoluam com uma menor gravidade”, projeta o professor Helioswilton Sales.

Com o aumento considerável de casos de Dengue no ano de 2024, dados do Painel de Monitoramento do Ministério da Saúde registram mais de 1,5 milhão de casos prováveis de infecção no Brasil e 80 mil deles só no estado de Goiás. Para Amanda Beatriz, estudar a Dengue é estudar uma doença atual “A meu ver, pesquisa precisa visar melhorias para a comunidade. Essa comunidade que vive fora dos muros das universidades. É para as pessoas, são vidas que podem ser influenciadas por algo que estamos trabalhando aqui. E, se podemos desenvolver algo que seja para um bem comum, avante!” finaliza a pesquisadora.

 

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Equipe completa do Laboratório de Imunologia de Mucosas e Imunoinformática do IPTSP
(Foto: Arquivo pessoal/Amanda Beatriz)

 

Crédito da foto de capa: Purdue University

**Letícia Lourencetti é bolsista de jornalismo no projeto IPTSP Comunica e é supervisionada pela jornalista Marina Sousa.

Fonte: Comissão de Comunicação do IPTSP

Categorias: Notícias Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical e Saúde Pública (PPGMTSP)