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Mestre em Saúde Coletiva aborda o enfrentamento e a “supervivência” de pessoas ostomizadas em dissertação

Em 08/02/24 14:35. Atualizada em 08/02/24 15:12.

Pesquisa realizada no Hospital Araújo Jorge avaliou as estratégias psicológicas de coping após a cirurgia de ostomia

Texto: Letícia Lourencetti

 

Damaris Morais, psicóloga na Direção de Atenção à Saúde do Servidor (DASS) na Universidade Federal e egressa no mestrado profissional em Saúde Coletiva do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP/UFG), apresentou no fim de 2023 sua dissertação a respeito da adaptação e estratégias de enfrentamento de pessoas com estomia.

É denominada ostomia ou estomia a intervenção cirúrgica que cria um ostoma (ou estoma), que consiste em uma abertura que cria um caminho alternativo para a comunicação do organismo com o ambiente externo. Assim como as razões pelas quais são realizados, as funções dos ostomas são diversas: para a alimentação, respiração e a eliminação de fezes e urina. Após o procedimento cirúrgico, o paciente se denomina ostomizado ou pessoa com/em situação de ostomia. O processo de adaptação está altamente relacionado com a particularidade de cada ostomizado e, logo, às estratégias de enfrentamento adotadas por cada um deles.

 

Os dados coletados

Em sua pesquisa realizada em 2022, Damaris convidou 201 indivíduos com estomias intestinais e/ou urinárias por qualquer causa, atendidos no Hospital Araújo Jorge, em Goiânia. Foram utilizados um questionário sociodemográfico, clínico e a Escala Modo de Enfrentamento de Problemas (EMEP) composta por 45 questões. A partir das respostas obtidas, foram apontadas as estratégia de enfrentamento em quatro fatores:

Enfrentamento focalizado no problema: trata-se do esforço para promover alteração no elemento, até o momento, fora do comum. A estratégia pode ser, por exemplo, a busca de conhecimento prático para adaptar-se à uma nova realidade e torná-la mais confortável;
Enfrentamento focalizado na emoção: visa o gerenciamento do sofrimento emocional causado pela nova condição;
Busca por práticas religiosas/pensamento fantasioso: entende-se pela busca de crenças religiosas ou fantasias como meio de promover a aceitação e a adaptação do indivíduo diante de situações estressantes;
Suporte social: Refere-se ao apoio emocional, prático e informativo fornecido por outras pessoas, como familiares, amigos, grupos de suporte e profissionais de saúde.

 

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A defesa da dissertação aconteceu em dezembro de 2023, de forma remota (Foto: Damaris Morais/Arquivo pessoal)

 

Aspecto psicológico

Para Damaris, a singularidade do ser humano é muito observada no enfrentamento ou coping, que é a palavra inglesa. O desejo de pesquisar partiu de sua experiência pessoal: ostomizada há 23 anos, a pesquisadora atua como voluntária no Hospital Araújo Jorge há mais de uma década. “Eu queria sair da minha experiência pessoal e observar os outros, só que, fora da academia, você faz, você observa, você tem uma percepção… Mas a gente não tem dados. São eles que nos dão um chão para dizer ‘isso é isso, aquilo é aquilo’. Ampliou a minha percepção.” comenta.

A professora do IPTSP, Larissa Arbués, orientadora da dissertação, destaca a importância do tema das estomias que, mesmo para ela, também psicóloga e com experiências na prática dos atendimentos em saúde, era muito novo. Segundo ela, trabalhar com Damaris foi um grande aprendizado: “Muito por sua experiência e entusiasmo em estudar, pesquisar e aplicar cotidianamente seus conhecimentos e, também, por sua experiência como pessoa ostomizada e voluntária a tantos anos na área”.

É importante ressaltar o uso de dados tanto quantitativos quanto qualitativos na pesquisa. “Eu queria ter números para falar para médicos e enfermeiros, que são os principais profissionais que trabalham com ostomias. Mas isso não é suficiente para uma pessoa que trabalha com a palavra, como eu”, aponta Damaris “Teve uma resposta que veio muito forte, e eu não estava procurando por ela. Não estava na minha escala e foi algo que eu gostei muito que tenha aparecido nos dados, que foi o letramento em saúde encontrado na internet. As pessoas falaram muito que buscavam informações na internet”.

Larissa pontua que é essencial o incentivo ao consumo de informações e conteúdos de qualidade, disponíveis no meio digital, a respeito da condição de ostomizado. Da mesma forma, o apoio e cuidado profissional deve ser centrado nas demandas do paciente, o que muitas vezes não acontece. “O estudo realizado pela Damaris aponta para uma necessidade de atendimento multiprofissional, que contemple o indivíduo como um todo e não somente os cuidados com a estomia”, comenta a orientadora.

O apoio da Associação dos Ostomizados de Goiás (AOG) também foi essencial na trajetória de Damaris e de muitas outras pessoas com ostomia. “Eu fui encaminhada para um local onde tinham profissionais de saúde que podiam me ajudar. Veja bem, estamos falando de uma época em que não existiam as redes sociais, a internet ainda estava engatinhando. Eu precisava realmente do presencial, e eu tive. Tanto de profissionais de saúde como de pessoas com ostomia. Então eu, pessoalmente, não senti falta. Mas muita gente sentia. E eu sabia que sentia, por isso resolvi fazer aquela cartilha Mulher com Ostomia [Você é Capaz de Manter o Encanto]”.

A pesquisadora produziu, também, um material informativo a respeito da história de Organizações como a AOG, destacando a importância do incentivo a estas por parte do poder público e da população em geral. O conteúdo do e-book denominado Breve História das Associações de Ostomizados no Brasil encontra-se nos apêndices da dissertação defendida em seu mestrado em Saúde Coletiva.

 

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Damaris supervivendo com seu marido, Paulo César Morais, em viagem à Chapada dos Veadeiros (Foto: Damaris Morais/Arquivo pessoal)

 

Atualmente, Damaris também gerencia um perfil (@ostoviver) voltado ao combate aos estigmas associados à ostomia no Instagram. “Eu tenho uma uma frase que falo há muito tempo nas minhas palestras, que a gente não quer só viver, a gente quer superviver. E eu percebo no dia a dia que as pessoas que já passaram por coisas muito graves, e quando elas saram, elas não estão mais interessadas naquela vida que tinham, elas querem ter mais vida”. Damaris relata ainda que criou a hashtag #supervivendocomumaostomia, justamente para que as pessoas pudessem demonstrar suas realidades e experiências inspiradoras. “Elas não estão só sobrevivendo, não estão só vivendo: elas estão supervivendo. E aí a gente busca postar esse tipo de conteúdo no perfil @ostoviver ”, finaliza a psicóloga.

Segundo a orientadora Larissa, Damaris Morais possui o perfil exato de mestrandos que o PPGSC deseja formar: comprometidos com a ciência e também com o retorno direto do seu trabalho para a sociedade e para o sistema de saúde. “Para nós, do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, um trabalho como o dela atende à nossa missão, pois traz contribuições importantes no que se refere à assistência em saúde, tanto a partir dos resultados do seu estudo, quanto dos produtos técnicos que desenvolveu”, elogia.

 

*Crédito da foto de capa: Freepik

**Letícia Lourencetti é bolsista de jornalismo no projeto IPTSP Comunica e é supervisionada pela jornalista Marina Sousa.

Fonte: Comissão de Comunicação do IPTSP

Categorias: Notícias Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC)