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Reportagem: Nepeas, SES-GO e a pesquisa engajada

Em 04/12/23 15:52. Atualizada em 04/12/23 16:06.

Projeto desenvolvido pelo Nepeas do IPTSP alcança Comunidades Remanescentes de Quilombo de forma participativa e ética

Texto e arte: Letícia Lourencetti

 

Hoje, o Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) traz os depoimentos das pesquisadoras Fabiana Santana (IPTSP/UFG), Laíza Santos (IPTSP/UFG) e Vânia Marra (IPTSP/UFG e SES-GO), sobre o Projeto Determinantes Sociais da Saúde e Qualidade de Vida em Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQ) do estado de Goiás, desenvolvido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Agroecologia e Saúde da Universidade Federal de Goiás (Nepeas/UFG), desde o ano de 2020.

A Saúde enquanto dever do Estado e direito da população é um tema amplamente discutido desde a 8ª Conferência Nacional de Saúde. O evento aconteceu em 1986 foi o grande possibilitador para o desenvolvimento de um sistema de saúde tal como conhecemos hoje. Alinhada a esse conceito, a Saúde Coletiva busca promover o pleno exercício do direito à saúde, que apenas pode ser alcançado mediante condições dignas de trabalho, transporte, moradia, educação, segurança, lazer e alimentação de qualidade.

“O Nepeas se compromete com o ideário da Saúde Coletiva, na concretização do direito à saúde das populações vulnerabilizadas, em especial, da população do campo, da floresta e das águas”, introduz Fabiana Ribeiro Santana, líder do Nepeas e docente do IPTSP.

 

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Participantes do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Agroecologia e Saúde em atividades relacionadas ao Projeto Determinantes Sociais (Fonte: Arquivo pessoal/Nepeas). Disponível em “Relatório NEPEAS/IPTSP/UFG Pesquisa 2020 - 2023”

 

Um olhar além da pesquisa

O projeto em desenvolvimento tem como foco as Comunidades Quilombolas Kalunga, localizadas na região dos municípios de Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Teresina de Goiás, na microrregião da Chapada dos Veadeiros, ao norte do estado. Patrimônio cultural brasileiro, as comunidades foram certificadas, no ano de 2005, como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares, sob garantia do Artigo 216 da Constituição Federal de 1988.

 

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Mapa editado da microrregião da Chapada dos Veadeiros. Em destaque, os municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás, onde estão localizadas as Comunidades Kalunga (Fonte: IMB/Segplan, 2013)

 

Com abordagem quanti-qualitativa, a pesquisa realizou estratégias diversificadas de coleta de dados, como por exemplo as entrevistas em profundidade, entrevistas com aplicação de questionário, observação participativa e oficinas de devolutivas. Tais ações têm o objetivo de analisar a situação de saúde geral e a qualidade de vida em comunidades quilombolas, bem como alcançar resultados que tragam informações importantes para a elaboração de políticas de promoção da equidade em saúde, por parte do Poder Público. Todo o percurso da pesquisa se manteve alinhado aos princípios e valores da Promoção da Saúde e da Educação Popular em Saúde.

“Iniciamos um diálogo humanizado e respeitoso com as lideranças locais das comunidades quilombolas, e, em seguida, realizamos imersões e coleta de dados nos municípios, a partir das trocas com quilombolas, representantes da Associação Quilombo Kalunga (AQK) e da Associação de Mulheres Quilombolas Kalunga de Monte Alegre de Goiás, Secretarias de Saúde, trabalhadores da Atenção Básica à Saúde e conselhos municipais de saúde”, relata Fabiana a respeito do processo de imersão. “A experiência tem sido muito rica e produtiva para todos os participantes do projeto, pois permitiu a integração do Nepeas/UFG com as comunidades e vários setores da gestão pública, assim como o reconhecimento dos marcadores sociais do acesso à saúde da população quilombola”.

Para Laíza dos Santos Rosa, quilombola da Comunidade de Vão do Moleque, graduanda de Fisioterapia no IPTSP e pesquisadora no Nepeas desde março de 2023, o início foi repleto de inseguranças, mas estas logo foram superadas. “Eu comecei a pensar que conseguiria implementar algo novo na pesquisa por ser quilombola, por conhecer a região. Então, para mim, foi um prazer muito grande. Eu fico muito feliz de estar participando e ao mesmo tempo não deixo de ter um pouquinho de medo, porque a gente sabe que as pesquisas, como todas as coisas, tem o lado positivo e o lado negativo. Mas, no momento, está sendo muito bom e muito rico para mim”.

Explorando, também, áreas como Antropologia, Agroecologia, Educação, Assistência Social, Transporte, Segurança Alimentar e Nutricional, o projeto preocupou-se com a saúde em seu amplo significado, assim como determinado pelo Sistema Único de Saúde. “Consideramos a transversalidade e a interseccionalidade em Saúde Coletiva, visando contribuir na tomada de decisão para o enfrentamento dos determinantes sociais de saúde, redução das desigualdades sociais e alcance da equidade e justiça social”, prossegue a professora.

 

Construção por muitas vozes

A pluralidade de temáticas e a adesão das comunidades foi perceptível durante as oficinas de devolutivas realizadas pelo Nepeas, onze até o momento. É aí que o projeto de pesquisa articula-se com a ação extensionista. Com as oficinas, tornou-se possível a análise, discussão, expressão e contribuição coletiva e, portanto, a construção de soluções possíveis a cada dado apresentado. “Durante o percurso da pesquisa, foi constante uma queixa sobre a ‘não devolutiva’ de outras pesquisas e a preocupação com a finalidade dos dados coletados” explica Fabiana Santana “É importante ressaltar que as devolutivas e a postura do pesquisador durante toda a pesquisa sustenta-se no referencial da pesquisa-ação. Assim, a abordagem respeita princípios éticos, epistêmicos e metodológicos.”

Um dos pontos de atenção apontados ao longo da pesquisa, nas oficinas de devolutiva e também pela pesquisadora Laíza Santos, foi a dificuldade de locomoção. “A questão de acesso mesmo. E isso inclui estrada boa, inclui ponte… A comunidade é isolada quando chove. Então não é suficiente ter um postinho de saúde para a assistência [médica] se não tem uma estrada, não tem caminhos acessíveis. Porque, se não tem ponte, se a estrada não tá boa e tá chovendo, como é que você vai levar insumos, um médico ou um enfermeiro para, por exemplo, aferir pressão? São comunidades praticamente isoladas”, pontua.

 

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Integrantes do Nepeas e das quilombolas da CRQ em oficinas devolutivas realizadas no ano de 2022. (Fonte: Arquivo pessoal/Nepeas). Disponível em “Relatório NEPEAS/IPTSP/UFG Pesquisa 2020 - 2023”

 

Vânia Marra aponta a forma como o contato da Secretaria acontece: “[Atualmente] o contato da SES-GO se dá de forma campanhista e pontual com algumas ações de proteção e prevenção, a exemplo de vacina para Covid-19 e o controle de vetores, principalmente a Leishmaniose”. Com a participação de integrantes ligados à SES-GO, a expectativa dos envolvidos é que os desdobramentos da pesquisa não se encerrem com ela. Com a participação de mais instâncias em medidas de longo prazo, a atuação da Secretaria precisa, de fato, estar mais alinhada com a realidade das CRQ.

Já no que diz respeito às ações práticas que poderão ser realizadas pela SES-GO a curto prazo, Vânia destaca a importância de uma capacitação teórica que esteja em concordância com a cultura das Comunidades. “É fundamental promover qualificação aos profissionais de saúde do SUS, discutir formulações de políticas públicas com gestores e motivar a inserção de temas de promoção da equidade em saúde nos planos estaduais e municipais, construir um planejamento participativo em saúde com as comunidades quilombolas e fortalecer parceria intersetorial com ampla participação social” Aponta. “Contudo, é urgente o enfrentamento do racismo por meio de políticas afirmativas de equidade em saúde para a superação das desigualdades e resgate da soberania, solidariedade e sustentabilidade, pela valorização da cultura, dos saberes tradicionais e do vínculo com a natureza, que são os pilares para promoção da saúde e do bem viver dessa população”.

Quando questionada a respeito dos resultados, a professora Fabiana reitera que o projeto ainda está em andamento, mas já apresenta um saldo positivo. “A cada imersão e encontro, disparamos novos processos de produção e análise de dados. Esse tipo de pesquisa tem como intencionalidade transformar para conhecer, o que é bastante inovador”.

Orgulhosamente, os pesquisadores e pesquisadoras do Nepeas contam com a ampla participação de quilombolas, lideranças quilombolas, representantes do executivo, legislativo e judiciário dos campos da saúde, educação, assistência social, agricultura, entre outros agentes.

O projeto tem o apoio da Secretaria do Estado da Saúde de Goiás (SES-GO), Associação do Quilombo Kalunga (AQK), Associação de Mulheres Quilombolas Kalunga de Monte Alegre de Goiás, lideranças quilombolas; auxílio financeiro da Wenner-Gren Foundation, Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC/UFG), Fundação de Apoio À Pesquisa (Funape/UFG) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG).

A seguir, confira os participantes do Projeto Determinantes Sociais da Saúde e Qualidade de Vida em Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQ) do estado de Goiás, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Agroecologia e Saúde da Universidade Federal de Goiás (Nepeas/IPTSP/UFG):

Ana Maria de Oliveira. Médica. Doutora em Bioética. Docente do Departamento de Medicina Tropical e Dermatologia do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás.

Augusto de Deus Pires. Biólogo. Analista Ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – RAN/ICMBio.

Cinira Magali Fortuna. Enfermeira. Doutora em Enfermagem em Saúde Pública. Docente da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto e do Programa de Pós-graduação em Enfermagem em Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Cláudio José Bertazzo. Geógrafo. Docente aposentado da Unidade Acadêmica Especial de Geografia da Universidade Federal de Catalão. Vice-líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Agroecologia e Saúde da Universidade Federal de Goiás.

Claudio Morais Siqueira. Médico. Doutor em Medicina Tropical. Docente do
Departamento de Saúde Coletiva do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás.

Daniel Alves. Antropólogo. Doutor em Antropologia Social. Docente do Instituto de História e Ciências Sociais da Universidade Federal de Catalão.

Estelamaris Tronco Monego. Nutricionista. Doutora em Ciências da Saúde. Docente aposentada da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás.

Fabiana Ribeiro Santana. Enfermeira. Doutora em Enfermagem em Saúde Pública e em Ciências da Educação (cotutela/ dupla titulação). Docente do Departamento de Saúde Coletiva e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás. Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Agroecologia e Saúde.

Fabíola Rosa Santos. Enfermeira. Servidora da Secretaria do Estado da Saúde de Goiás.

Flávia Ribeiro Santana. Bióloga. Mestre em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador.

Géssica Mercia de Almeida. Nutricionista. Doutora em Nutrição Humana. Docente da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás.

Hamilton José Amorim Rezende. Fonoaudiólogo. Mestrando em Saúde Coletiva. Servidor da Secretaria do Estado da Saúde de Goiás.

Jackson Luiz Gonçalves Bezerra. Graduando em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.

Laíza dos Santos Rosa. Graduanda em Fisioterapia do Departamento de Saúde Funcional do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás.

Lara Ribeiro Paranaguá. Graduanda em Nutrição da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás.

Leandro Custódio Amorim. Graduando em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.

Luana da Silva Matos. Graduanda em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.

Magna Maria de Carvalho. Enfermeira. Servidora da Secretaria do Estado da Saúde de Goiás.

Marcus Pereira Magalhães. Graduando em Física Médica do Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás.

Naraiana de Oliveira Tavares. Psicóloga. Doutora em Neurociências. Docente do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás.

Nelson Freire Silva Filho. Graduando em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.

Rafaela Pereira de Lima. Bióloga. Enfermeira. Mestre em Ciências da Saúde.

Sterlanny Reis de Sousa. Graduanda em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.

Thaís Rocha Assis. Fisioterapeuta. Doutora em Ciências da Saúde. Docente do Departamento de Saúde Funcional e do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás.

Thaísa Anders Carvalho Souza. Nutricionista. Doutora em Ciências da Saúde. Docente da Faculdade de Nutrição da UFG.

Vânia Marra Passos. Nutricionista. Mestranda em Saúde Coletiva. Servidora da Secretaria do Estado da Saúde de Goiás.

Wanderson Michel dos Santos Trindade. Graduando em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.


Acompanhe as redes do Nepeas para saber mais sobre esse e outros incríveis projetos desenvolvidos pelo Núcleo.

 

 

*Com informações da Fundação Cultural Palmares e do Relatório NEPEAS/IPTSP/UFG.

*Letícia Lourencetti é bolsista de jornalismo no projeto IPTSP Comunica e é supervisionada pela jornalista Marina Sousa.

Fonte: Comissão de Comunicação do IPTSP

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