Professoras menira e fabíola

Parabéns às nossas pesquisadoras do IPTSP e ao jornal Opção pelo conteúdo técnico-científico de qualidade sobre o coronavírus.

Em 04/03/20 11:36. Atualizada em 04/03/20 11:40.

A origem do vírus chinês

coronavírus

Fabiola Fiaccadori explica que o coronavírus não era um problema até conseguir ser transmitido entre animais e humanos | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Fabiola Souza Fiaccadori (Doutora em Microbiologia pelo PPGMTSP/IPTSP/UFG) e Menira Borges de Lima Dias e Souza (Ph.D pela The Ohio State University) são professoras e pesquisadoras na área de Microbiologia do Laboratório de Virologia e Cultivo Celular (LABVICC) do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás. As professoras explicam como novos vírus podem emergir e se disseminar rapidamente, bem como o que a ciência pode fazer para combatê-los. 

As pesquisadoras explicam que o sequenciamento do genoma do novo coronavírus mostrou muita semelhança (identidade maior que 85%) com  variantes que já circulavam entre morcegos. “Em humanos, os coronavírus são reconhecidos como causadores de doenças semelhantes a um resfriado comum. Entretanto, existem coronavírus associados a infecções em diferentes espécies animais, como cães, gatos, suínos e morcegos, o que favorece a recombinação genômica entre vírus de diferentes espécies”, explica Fabíola Souza Fiaccadori.

Os vírus em geral são instáveis, podendo sofrer mutações pontuais durante o processo de replicação dentro da célula do hospedeiro, consertando mal os erros da própria replicação. Esta variabilidade, aliada à pressões (como a defesa imunológica) que selecionam vírus com a qualidade do spill over e rápida disseminação, faz com que eventualmente surja uma mutação que rompe uma barreira entre hospedeiros. 

Menira B. L. D. e  Souza diz: “vários publicações científicas realizadas com amostra de arquivo revelam que, quando se tem notícias de um vírus novo, na verdade ele já estava se replicando e circulando em alguma população”. Fabiola Fiaccadori acrescenta: “Em geral, nestes casos, o início é caracterizado pela ocorrência de casos esporádicos e aleatórios que dificultam a identificação e notificação. Entretanto, a partir da adaptação da variante viral, esta pode se adaptar na população e estabelecer um surto”.

Os indícios sugerem que uma das mutações que fez surgir todo o problema ocorreu no gene que codifica a Proteína S, que se localiza na superfície do envelope viral e portanto muda a forma com que o vírus reconhece células de hospedeiros e também tem efeito na resposta imunológica à infecção. O contágio entre morcegos e humanos parece ser favorecido pelo contato próximo entre pessoas e animais em feiras e mercados de animais silvestres que existem na China. 

Fabiola S. Fiaccadori afirma que há ainda outra característica desses vírus importante para explicar o fenômeno: “Em uma mesma célula infectada por diferentes vírus, pode ocorrer a recombinação, como troca de material genético, o que levando ao surgimento de novas variantes virais”.  

Cura à vista

Menira B. L. D. e Souza

Menira B. L. D. e Souza conta como o reservatório animal dos morcegos garante um espaço onde vírus podem se replicar e sofrer mutações livres de vacinas | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Ao contrário dos coronavírus, o causador da dengue não tem perfil de ampla variabilidade. Porém, isso não significa que o perigo está descartado. Fabiola S. Fiaccadori lembra que o vírus  zika tinha variabilidade ainda inferior ao vírus dengue, mas se tornou responsável por uma epidemia caracterizada como de Emergência Internacional. “O vírus zika originalmente caracterizado como agente de infecção branda, após evento de variabilidade, estabeleceu novas vias de transmissão e se tornou capaz de causar patogenia diferenciada, até casos graves como complicações  neurológicas”. Para isso, o zika necessitou apenas de pequenas mutações.

A letalidade da doença provocada depende de diversos fatores. Primeiro, a taxa de replicação do vírus no corpo é determinante. A capacidade de se disseminar pelo organismo antes de o corpo produzir uma resposta imunológica era uma característica conhecida da SARS, que podia passar para os pulmões sem ficar detida no trato respiratório superior, de modo que não havia tempo para o organismo montar sua defesa. 

Com a alta letalidade do coronavírus, esforços têm sido feitos para desenvolver uma vacina. O sequenciamento de seu genoma foi feito em tempo recorde, nos Estados Unidos. Fabiola S. Fiaccadori explica como o sequenciamento auxilia no desenvolvimento da vacina: “Se consigo a informação da sequência genômica, deduzo quais proteínas o vírus tem. O que a vacina faz é mostrar ao sistema imune a composição da proteína de um invasor para que uma resposta protetora e eficaz possa ser produzida contra o agente infeccioso.”

O sucesso não é garantido, entretanto. Com o reservatório animal dos morcegos, vírus têm uma fonte onde podem replicar e sofrer mutações livres de vacinas. Além disso, Menira B. L. D. e Souza explica que o procedimento para que uma vacina para ser licenciada e comercializada não é simples, levando em média de 8 a 10 anos.

“Primeiro há testes de citotoxicidade em cultura de células e testes de dosagem e segurança. Aí então, pode-se fazer testes em animais. Depois, ensaio clínico com poucos voluntários. Verificadas questões de segurança e eficácia, outro ensaio clínico é feito, com maior número de indivíduos em diferentes países e de diversas faixas etárias. Por último, esses dados são analisados para compreender se vale a pena investir milhões de dólares – o ideal é que a vacina seja eficaz contra pelo menos as variantes mais frequentes daquele vírus”, diz Menira B. L. D. e  Souza.

Cientistas explicam que processo de produção de vacinas levam em média 9 anos | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

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